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Por que a gravidez na adolescência nos preocupa?

Keila Deslandes *

A resposta parece demasiado óbvia. Adolescência não combina com gravidez. A adolescente que engravida – ou, o adolescente que engravida uma mulher -, não está preparada para assumir a chamada “parentalidade”, “parenthood”. Não é socialmente competente, como disse o psicanalista E. Erikson, para transmitir os valores da cultura à sucessão geracional. Não tem desenvolvimento biológico para enfrentar uma gravidez. Abandona a escola e perde a chance de se inserir socialmente. Ou, ainda, relega a criação do rebento aos avós, se tornando irmão do próprio filho.

No cenário das chamadas “oportunidades sociais”, caracterizadas pelo aumento da expectativa de vida da população, pelo prolongamento da escolarização, pelas mudanças nos papéis sociais relacionadas à emancipação feminina - onde se pode desvincular sexualidade e reprodução -, e pela massificação do acesso a bens de consumo, a gravidez na adolescência desponta como um verdadeiro desperdício do leque de oportunidades e prazeres da vida juvenil, capaz de suscitar um forte sentimento de indignação por parte da sociedade. Como se o adolescente, além de esbanjar a própria vida, colocasse ainda em prejuízo a geração futura – exposta aos riscos do abandono –, e a geração passada, convocada a assumir responsabilidades perante os netos que não seriam suas.

Todos esses argumentos, baseados numa construção conceitual da adolescência moderna, que se localiza social, histórica e culturalmente, se fundamentam na tese de ser essa etapa do desenvolvimento humano um estágio para a entrada triunfante na vida adulta. Essa concepção contemporânea, no entanto, esbarra num passado recente, onde a noção de adolescência não se fazia presente nos debates médicos, psicológicos, da mídia ou do senso comum, e se considerava ideal a faixa etária dos 13 aos 19 anos para o compromisso matrimonial e a maternidade.

O aumento da taxa de fecundidade entre adolescentes, não justifica, em si mesmo, a preocupação com o tema. Mesmo sendo um fato que a incidência de gravidez na adolescência sofreu uma ligeira variação positiva nas três últimas décadas do século vinte, contrariando uma tendência geral de diminuição do número de filhos por parturiente, a questão quantitativa não pode se constituir como o fator explicativo da construção social do problema “gravidez na adolescência”. Hipoteticamente, se poderia pensar, por exemplo, que a gravidez na adolescência segue seu percurso “natural”, enquanto a redução da taxa de natalidade, sim, se apresentaria como um problema a ser discutido. Tema instigante, destacado no filme Children of Men (traduzido para o cinema nacional como “Filhos da Esperança”), onde a infertilidade da raça humana é levada ao extremo de incapacidade de perpetuação da espécie, num contexto futurista de caos social e nenhuma esperança no projeto humano.

Entendemos, portanto, que só se pode problematizar a fecundidade na adolescência a partir de certas condições sociais e históricas, cuja compreensão implica numa possibilidade de relativização desse fenômeno. A chamada gravidez na adolescência, caracterizada pela OMS a partir de parâmetros etários, como aquela que ocorre na faixa dos 10 aos 19 anos de idade, não é um fenômeno homogêneo. Não se pode falar que uma gravidez, aos 10 anos, seja igual àquela que se dá aos 19… Nem se pode falar que uma gravidez entre dois parceiros adolescentes seja igual àquela que ocorre entre parceiros de diferentes faixas etárias. A condição social das parturientes também diferencia o problema. Bem como o fato de o episódio acontecer uma única vez ou em múltiplas vezes, se no contexto de um casamento ou não, se relacionado a um projeto de inserção social e afetiva. Pode a gravidez na adolescência ser vivida irresponsavelmente, ou, ao contrário, constituir-se como uma estratégia assertiva, uma forma de resiliência no contexto de violência familiar e anomia social, onde práticas de prostituição e tráfico de drogas aparecem como as oportunidades mais sólidas de socialização e vida comunitária. Tanto a adolescente grávida pode evadir do ambiente escolar, quanto pode retornar à escola e aos projetos de empregabilidade.

Enfim, a heterogeneidade de experiências que o rótulo “gravidez na adolescência” engloba não nos permite problematizar o fenômeno a partir de um enquadramento único e – a priori –, encarado pelos aspectos negativos.

É o que percebemos nas entrevistas que estamos fazendo com adolescentes-mães e jovens que, estando com vinte e poucos anos à época da entrevista, foram mães durante a adolescência. Numa primeira etapa para coleta de dados de nosso trabalho de pesquisa e intervenção, desenvolvido em escolas regulares e de Educação de Jovens e Adultos (EJA) localizadas numa região de grandes contrastes sociais da cidade de Belo Horizonte (regional Oeste), estamos procurando discutir a problemática da gravidez na adolescência a partir da noção de planejamento familiar – e não da idéia de prevenção, tout court.

Trata-se, assim, de acreditar que a gravidez na adolescência não é uma espécie de epidemia a ser erradicada, mas que cabe ao Estado e à sociedade organizada oferecer meios não coercitivos para que o adolescente, bem como todo o cidadão brasileiro, possa determinar o número de filhos que pretende ter, quando isso deve acontecer, bem como viabilizar a sua constituição familiar. Trata-se também, numa proposta de pesquisa-intervenção, de construir espaços de diálogo, reflexão e cidadania, para e com os adolescentes de classes populares, a partir dos “princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável” (cf. Constituição da República Federativa do Brasil, art 226, § 7º). Espaços onde possamos rediscutir a própria noção de gravidez na adolescência, contextualizando-a, historiando-a e mostrando a sua heterogeneidade para, então, problematizá-la tendo em vista a história de vida de cada sujeito, sua família e sua comunidade, no contexto de alternativas concretas e opções autônomas.

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* Keila Deslandes é professora de Psicologia da Educação e do Desenvolvimento na UFOP – MG.