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A escola e a diversidade sexual

Henrique Caetano Nardi *

No Brasil, a intensidade das formulações homofóbicas e heterossexistas presentes nas escolas é alarmante. Estudo recente1 da UNESCO, envolvendo estudantes brasileiros do ensino fundamental, seus pais e professores, aponta para um alto grau de rejeição à homossexualidade na comunidade escolar. As conclusões da pesquisa afirmam que um terço de pais de alunos e um quarto dos próprios alunos não gostariam que homossexuais fossem colegas de escola de seus filhos (essa taxa de rejeição chega a 60% em alguns estados).

Nessa mesma pesquisa, foram selecionadas pelos estudantes do sexo masculino seis formas de violência por ordem de gravidade. A hierarquização deveria ser estabelecida entre as seguintes opções: atirar em alguém, estuprar, usar drogas, roubar, andar armado e espancar homossexuais. A agressão contra homossexuais ocupou o 6º lugar, como a ação “menos grave” que se pode praticar no ambiente escolar. Outro trabalho realizado pela UNESCO2 sobre os valores sociais dos professores mostrou que, embora a maioria dos professores concorde com a introdução de temas contemporâneos no currículo, tais como prevenção ao uso de drogas, saúde reprodutiva e violência; muitos ainda tratam a homossexualidade como perversão, doença e deformação moral, colaborando - pela via do silêncio ou de posturas negligentes em relação aos insultos e aos maus tratos - para a reprodução da violência associada à homofobia.

De acordo com Borrillo “a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal. Sua diferença irredutível o coloca em outro lugar fora do universo comum dos humanos” (BORRILLO, 2000, p. 3). As manifestações da homofobia estão presentes em culturas nas quais a experiência do respeito ao outro na sua diversidade é pouco exercitado. Nossa sociedade é marcada por uma forte desigualdade (cuja marca da escravidão ainda se faz presente de forma vigorosa), a qual conjuga o desrespeito às formas não heterossexuais de sexualidade com a origem de classe, a cor e a etnia.

Resultados de pesquisas realizadas em várias partes do mundo3 apontam para a relação entre cultura homofóbica e alto índice de suicídio e de sofrimento psíquico (o qual pode se apresentar sob a forma de comportamentos de risco como o uso abusivo de drogas, sexo sem proteção e violência) entre os jovens gays, lésbicas e transexuais. Estes estudos apontam para uma dinâmica do sofrimento derivada da incorporação pelos jovens da homofobia presente na sociedade levando à construção de uma imagem negativa de si mesmos.

Na direção do enfrentamento das formas de produção do sofrimento psíquico nos jovens não heterossexuais e no sentido de colaborar para a produção de uma cultura de respeito aos direitos sexuais como direitos humanos nos associamos enquanto pesquisadores (o nós aqui se refere a meu grupo de pesquisa) à formação “Educando para a Diversidade” construída em parceria pela Secretaria Municipal de Educação de Porto Alegre, Secretaria Estadual da Educação do Rio Grande do Sul e coordenada pela ONG Nuances4.

O objetivo do conjunto de ações que compõem este projeto visa a formar professores da rede de ensino e construir estratégias de combate à homofobia no contexto da escola. O projeto em questão foi aprovado e conta com o financiamento do Ministério da Educação, enquadrando-se no âmbito de ações do programa “Brasil sem Homofobia” do Governo Federal.

A análise5 inicial dos efeitos desta formação é muito positiva. O caráter inovador da experiência foi ressaltado pelos participantes da primeira turma (professoras e professores das escolas públicas da rede municipal), uma vez que a proposta pedagógica do projeto foi construída a partir de uma perspectiva de trocas entre professoras(es) das escolas públicas, pesquisadoras(es) e militantes de grupos LGBT.

Os relatos das experiências de enfrentamento do preconceito por parte de lésbicas, transexuais-transgêneros-travestis e gays foram particularmente valorizados pelas(os) professoras(es). Entretanto, se o ganho para a aprendizagem pessoal é considerado importantíssimo e transformador, as(os) professoras(es) ainda se encontram muito receosas(os) em relação às formas possíveis de intervenção nas suas escolas de origem.

As(os) participantes compreendem que não existe uma fórmula única aplicável a todas as situações e o receio não deriva de dificuldades relacionadas às metodologias de intervenção. O receio tem origem no medo resultante de experiências vividas na escola pelo simples fato de freqüentar a formação, o que gera a suspeita dos colegas; ou seja, como se o fato de intervir no campo do combate à homofobia, imediatamente produzisse um contágio (elas(es) passam a ser identificadas(os) como homossexuais). Além deste “efeito de contaminação” (o que as(os) expõem ao mesmo preconceito que elas(es) pretendem enfrentar), existe uma sensação de falta de informação. Acreditamos que, para além do fato de muitas vezes a formação ter sido a primeira vez que estas(es) professoras(es) tiveram a oportunidade de refletir mais intensamente sobre a sexualidade, esta demanda de informação indica um lugar de professor que seria aquele que tudo sabe e para o qual a dúvida é um atestado de incapacidade. Como conseqüência desta incapacidade situada no campo da informação, se anuncia a necessidade permanente de um especialista. A psicologia é particularmente demandada neste lugar e buscada pelas(os) professoras(es) como uma forma de legitimação a partir de um regime de verdades que traça linhas nítidas entre o normal e o patológico no campo da sexualidade; percebemos, ainda, em algumas(uns) participantes, uma obsessiva busca de explicações para a “causa” da homossexualidade. Esta demanda se explica também pela necessidade de justificar estrategicamente as ações propostas na escola a partir da legitimidade do “discurso científico”. Este “receio da intervenção” foi discutido permanentemente durante todo o período do projeto, entretanto, apesar do sucesso dos formadores em desnaturalizar certos preconceitos e medos, este receio indica a necessidade de uma educação continuada de maior envergadura para os professores da rede.

O projeto que analisamos (um dos 15 financiados pelo MEC em todo o território nacional) tenta, de certa forma, estimular a implementação dos “Parâmetros Curriculares Nacionais” (publicados em 1995) nos quais a sexualidade é anunciada como um tema transversal. O documento que descreve os parâmetros prevê que o conteúdo de diversas disciplinas integre a sexualidade de maneira articulada com outros temas, como a ética, a saúde, o gênero, a ecologia e a pluralidade cultural. Entretanto, existem visões distintas entre os pesquisadores deste campo sobre a incorporação ou não dos parâmetros à cultura da escola; segundo algumas autoras, a motivação governamental para a inclusão da temática se deu, principalmente, com a intenção de prevenir à aids/DSTs e a gravidez na adolescência e não a partir de uma lógica de respeito aos direitos sexuais enquanto direitos humanos.

Os parâmetros se inscreveriam, portanto, em um modelo de educação sexual já presente e marcado pelo domínio da biologia (uma ciência da sexualidade – uma scientia sexualis, como dizia Foucault), dentro do qual a discussão da construção social da sexualidade e da diversidade de orientação sexual é ainda marginal ou ausente. Além disso, mesmo os programas dirigidos à prevenção das DSTs/aids são usualmente propostos fora dos horários de aula e representam intervenções breves e pontuais. Cabe ainda ressaltar que os professores não foram formados para desenvolver discussões no domínio da sexualidade; problema que é agravado pela presença disseminada de preconceitos de ordem moral.

A partir do exposto acima, acreditamos que as atividades de formação devem ser continuadas e buscar a reflexão permanente das(os) professoras(es) quanto ao seu papel ético na formação das(os) estudantes, pois como representantes do Estado, elas(es) têm um papel fundamental no combate a toda forma de discriminação. Tanhia (2005) aponta de forma clara a necessária intervenção da escola, uma vez que:

“Se os adolescentes LGBT se sentem vulneráveis no seio da escola, é também porque eles o são face a suas famílias. Entretanto, se consideramos a escola como essencial ao desenvolvimento das crianças; que ali passam uma parte não negligenciável de suas vidas, e que ali devem poder se sentir em segurança e se realizar, nós temos o direito de exigir que o sistema educativo leve em consideração os adolescentes LGBT, os quais se encontram sem referências, reconhecimento e/ou em sofrimento” (TANHIA, 2004, p.132).

É neste sentido que se faz fundamental refletir sobre o papel das políticas públicas na defesa da igualdade de direitos e do respeito à diversidade sexual e de afirmar a importância da psicologia neste debate.


* Professor do Departamento e do Mestrado em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

______________

1 A pesquisa conduzida pela UNESCO realizada em 15 capitais brasileiras envolvendo 16.422 estudantes, 241 escolas, 4.532 pais e 3.099 professores e funcionários de escolas atesta os efeitos da falta de formação no campo da sexualidade e a extensão da rejeição da homossexualidade. Os resultados da pesquisa não são homogêneos, mostrando a diversidade de situações no Brasil de acordo com a região e o sexo do entrevistado. Por exemplo, em Porto Alegre, 42% dos jovens do sexo masculino afirmam ter preconceitos contra os homossexuais contra 13% das jovens (número este que reforça a hipótese de Butler com relação ao papel da dominação masculina na incorporação melancólica da homossexualidade na cultura). Os pais de alunos também não fogem à tendência, em Fortaleza 47% dos pais não gostariam que seus filhos tivessem colegas homossexuais contra 22% em Porto Alegre. Em relação aos professores e funcionários, 5,9% em Brasília e 1,2% em Porto Alegre declaram não desejar ter estudantes homossexuais (ABRAMOVAY, M.; CASTRO M. G. & SILVA, L. B., 2004).

2 A UNESCO no Brasil (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) realizou em 2004 outra pesquisa com os professores brasileiros nas 27 Unidades da Federação. O trabalho teve por objetivo traçar um perfil dos professores do ensino fundamental e do ensino médio, em escolas das redes pública e privada, contemplando algumas de suas características sociais, econômicas e profissionais, os questionários foram respondidos por 5.000 docentes (representando um universo de 1.698.383 professores), 82,2% da rede pública e 17,8% da rede privada.

3 VERDIER, É. & FIRDION, J-M. Homosexualités & suicide. Les jeunes face à l´homophobie. Paris : H & O éditions, 2003.

4 Com a colaboração do Depto. de Psicologia Social e Institucional e do PPGPSI (Programa de Pós Graduação em Psicologia Social e Institucional) da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

5 Realizada por meio de grupos de reflexão com os professores participantes e de diários de campo da observação do desenrolar da formação nos três meses de duração da formação (foram três meses com dois encontros de três horas por semana). Neste projeto são previstas duas turmas. A primeira turma já encerrou a formação, mas ficou evidente a necessidade de um suporte continuado para as intervenções propostas nas escolas.