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Violência nas comunidades populares: problema ou solução?

Brito Andrade *

Chegar a uma conclusão quando o assunto é violência urbana pode ser fácil demais devido à carga de informações lançadas constantemente pela mídia. Porém, uma opinião mais reflexiva sobre o assunto não depende apenas do uso dessas informações, é necessário ter um olhar crítico e intenso a respeito. Desde que nasci moro no Complexo do Alemão, e hoje, com 20 anos de idade, acompanho a vida da comunidade em seus medos, angústias e também nos momentos felizes.

Posso dizer que quando nos atentamos para as diferentes realidades (dentro e fora das comunidades), percebemos a injustiça cometida pelos grandes veículos de comunicação ao venderem apenas uma imagem das comunidades, a mais pejorativa.

Todos os instrumentos da mídia divulgam a expressão “Guerra Urbana” (GU) quando querem falar da situação da violência. Dizem que essa tal guerra está afetando o Rio de Janeiro quando, na verdade, ela ocorre de forma direta para uns e indireta para outros.

O sofrimento maior provocado por essa ‘guerra’ concentra-se no interior das comunidades (morros e favelas do Rio), onde a ação é direta, porque lá habitam seres chamados por lei de ‘cidadãos’, que, no entanto, não são tratados como tais, já que nesse território a atuação do poder público não condiz com a atuação que se dá fora; ou seja, esses cidadãos são obrigados a viver tendo diferentes referências de leis a serem seguidas: a Constitucional e a “Faccional”. E os cidadãos moradores das comunidades vivem como verdadeiros réus de ambas as leis.

Os reflexos da chamada “GU” se encontram onde não é mostrado. Estão onde câmeras não podem filmar ou fotografar para conseguir audiência: eles se escondem no imaginário de crianças que assistem seus pais serem agredidos, de mães que vêem suas filhas sendo violentadas, ou do jovem cidadão ou pai de família que vê sua dignidade indo embora ao levar tapa na cara e ser brutalmente agredido, verbal e fisicamente.

Ser refém da violência já virou o destino de milhares de moradores das comunidades do Rio de Janeiro. Destino esse que consiste em se esquecer dos seus direitos fundamentais e por vezes negligenciar deveres para tentar sobreviver. Para exercer o direito de ir e vir temos que arriscar perder nosso direito mais precioso que é a vida, já que, no caminho de nossas casas, nos deparamos com tiros e bombas letais.

A morte é apenas uma conseqüência, uma estatística; afinal, na contagem da Segurança Pública, morador morto é bandido morto. O maior problema é que afirmações como essa a mídia divulga e o povo aceita. É dada a sentença a cidadãos que nada tinham a ver com o tráfico ou que nada deviam às “Leis”, mas que em seu julgamento final foram tachados pela sociedade como bandidos e acabaram entrando nas estatísticas. Com o intuito principal de vender seu produto ou conseguir audiência, a mídia em geral retrata a violência usando sensacionalismo ao explorar imagens e fatos que remetem à dor e ao sofrimento por parte dos moradores das comunidades.

Seria leviano dizer que nas comunidades só existe “gente de bem”: é preciso dizer que milhares de moradores são diariamente reprimidos pela minoria de bandidos que lá existem. Mas também é preciso dizer que, além da opressão do tráfico, um morador de comunidade tem seus direitos violados nas operações da polícia quando ocorre uma entrada violenta de policiais, por vezes despreparados, e com um objetivo específico: “pegar o bandido”. A partir do momento em que esse objetivo é traçado nada mais importa. Não importa se cidadãos estão na frente: serão apenas “auto de resistência” (obstáculos no caminho).

Sabemos também dos impactos indiretos proporcionados pela “GU”, que se refletem na diminuição do turismo, na queda da venda de passagens para o Rio, por exemplo, o que representa menos turistas e conseqüentemente um prejuízo para a economia do Estado e até do País, uma vez que, com menos turistas, temos menos demandas em hotéis e comércio e, automaticamente, temos menos empregos. Esse é mais um exemplo real de que a violência afeta as classes menos favorecidas, não só de forma direta, como também indiretamente.

No nível de violência em que nos encontramos é necessário dizer, ao invés de basta, outras palavras mais esperançosas, como vida e dignidade, pois são nelas que o poder público deve investir e a sociedade deve aceitar e defender. Somente dando valor à vida e à dignidade humana nossos governantes investirão em saúde, educação e cidadania como um caminho possível para a resolução, a longo prazo, desse problema urbano.

Solucionar esse problema tão complexo não é tarefa fácil, porém, ao enxergarmos novos caminhos nos tornamos mais dispostos a tentar. No entanto, esses caminhos estão por vezes invisíveis, já que, nossos governantes, apenas reforçam a idéia de manter as incursões da polícia de forma cada vez mais violenta e constante.

Quando o presidente Lula faz a declaração: “O crime organizado não se combate com pétalas de rosas”, está afirmando que é necessário responder à preparação do tráfico com a própria violência. Apesar de também afirmar que a solução está na educação e nas obras de urbanização, creio que não bastaria apenas isso, pois também se fazem necessários a moral e o respeito, não apenas por parte dos policiais, como também por parte do próprio Governo, investindo em políticas públicas que verdadeiramente funcionem na prática, para que assim, possamos dar início a um longo processo de desconstrução da violência.

Com a experiência que tenho já há cinco anos em trabalhos comunitários, pude perceber, cotidianamente, que as necessidades das comunidades vão muito além do pouco que é oferecido pelo poder público. Se faz presente nas comunidades uma vontade de crescimento muito grande. Todos estão buscando melhorias para suas vidas pessoais e em comunidade, apesar de, lamentavelmente, como em todo lugar, ainda existirem aqueles que “estão voltados para o próprio umbigo”. Florescem em nossas comunidades variadas iniciativas de moradores que, ao realizarem atividades com crianças e adolescentes, idosos, mulheres, têm a preocupação de oferecer lazer de qualidade, espaços de educação e de cultura, onde as pessoas se encontram, fazem amizades e vivem momentos felizes.

Apesar da busca por melhorias, grande parte dos moradores, infelizmente, só consegue ter acesso a seus direitos, garantidos por lei (mas não obtidos na prática), através de projetos ou de ações assistencialistas, pois muitos moradores ganham menos do que precisam para sobreviver, e as necessidades são maiores do que as condições financeiras.

“Viver e não ter a vergonha de ser feliz”. É isso que motiva as comunidades do Complexo do Alemão a seguirem sua rotina diária. O Complexo do Alemão enquanto conjunto de comunidades pode até ser “carente”, como afirma a mídia. Afinal, existem carências de diversos tipos em diferentes contextos. Mas usar este argumento para justificar o assistencialismo e o modelo de segurança pública repressora que vem sendo implementado, como se, por se tratarem de áreas carentes as comunidades aceitassem qualquer ação do governo, não é correto. Poderíamos dizer que a “carência” é de escolas públicas com ensino de qualidade, salários capazes de suprir nossas necessidades e equipamentos de saúde que atendam realmente à população.

Em nossa realidade cercada pelos conflitos, não será com “ajuda de custo” (assistencialismo) que iremos resolver a situação, mas sim com um conjunto de ações que sejam pensadas junto à comunidade antes de sua implantação. Somente deste modo nosso governo estará dando alternativas para nós que lá vivemos.

Se existirem mais oportunidades saudáveis e sem discriminação para quem vive nas comunidades populares, muito distantes da violência policial que hoje bate em nossas portas, o tráfico vai ser, para a maioria (principalmente de crianças e adolescentes), apenas mais uma opção, e, quem sabe, a menos interessante.

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* Brito Andrade é o pseudônimo adotado pelo autor, um jovem de 20 anos de idade, morador do Complexo do Alemão. Estudante de pré-vestibular, está se preparando para a área de Comunicação Social, e trabalha em projetos comunitários tendo como foco de atuação trabalhos desenvolvidos com jovens.